A "Bico Economy" está reinventando o mercado e as relações de trabalho
Deu ruim para os hiperbólicos
Desde a Revolução Industrial o mundo passou a se organizar com base nos princípios do capitalismo e para vencer no capitalismo é necessário ser a maior, a melhor, a com mais lucro, a com mais terras, a com mais fábricas, a mais, a mais…
E como resultado desses ideais hiperbólicos, hoje temos grandes conglomerados industriais com seus custos homéricos, estruturas megalomaníacas, milhares de funcionários e que se transformaram em estruturas engessadas, com altos custos e enorme dificuldade para inovar e evoluir.
Nova geração ressignifica o trabalho
Existe uma nova geração de pessoas que não enxerga mais o trabalho como aquilo que as define. Para elas, aquela famosa frase: "Ô Doutor…", já não tem mais o mesmo significado porque agora uma coisa é trabalho, outra coisa é identidade.
Essa turma também não quer fazer carreira, não conseguem se imaginar 30 anos trabalhando no mesmo lugar. Morreriam, já que valorizam muito mais sua qualidade de vida, tempo livre e flexibilidade.
Também não acham que faz sentido trabalhar das 9h às 18h e vários governos começaram a concordar com isso, pois em vários países a jornada já foi diminuída para quatro dias. A rede de hamburgueria norte-americana Shake Shack anunciou que irá testar esse modelo também (eu amo esse).
Mas o mais importante é que o trabalho precisa estar conectado aos valores, ter um significado, o famoso propósito. Usam o trabalho como um meio e não como um fim, e ganhar dinheiro é uma consequência.
Troca-se um trabalho por alguns projetos
Com essa nova mentalidade surgem novas formas de se trabalhar e a mais próspera parece ser a dos freelancers. Nos EUA, já são um terço o número de trabalhadores que fazem freela e se a tendência seguir adiante, até 2027 mais de 50% dessa população estarão trabalhando de forma independente.
Para apoiar esse imenso mercado em ascensão, estão sendo criadas novas ferramentas para ajudar esses profissionais a se organizar e a realizar seus projetos. Estamos vendo um movimento crescente da institucionalização do freela.
Não é a toa que a gigante WeWork, que oferece espaço para trabalho compartilhado, possui hoje 90% dos seus 528 escritórios cheios e com apenas nove anos de vida fez seu IPO semana passada e é atualmente a maior detentora de imóveis de Nova York.
Já a Upwork, maior marketplace de freelancers do mundo, publica mais de 3 milhões de jobs ao ano e é usado por empresas como Airbnb, Microsoft e General Electric.
No Brasil, freela é bico
No Brasil a gente já faz freela muito muito antes dos gringos!
Como grande parte da população não consegue sustentar a casa com o salário fixo dos seus empregos (quando têm emprego), acabaram recorrendo aos famosos "bicos". Para 53,3% da população, a motivação principal de se tornar freelancer é a falta de dinheiro.
Hoje são 64% os brasileiros que recorrem a bicos como forma de complementar a renda, onde 32,9% declara ganhar entre R$ 100 e R$ 500 mensais, enquanto 26,2% ganham entre R$ 1.000 e R$ 5.000 por mês .
No Brasil temos como cultura freela um mix entre estabilidade e flexibilidade, em vez da flexibilidade total que é desenhada nos países mais desenvolvidos.
Agora a Dona Maria é uma empresa
Assim começa a revolução!
Dona Maria, que faz seu bico "cozinhando pra fora", começa a ganhar um dinheiro e, diante da demanda aumentando, chama sua vizinha para ajudar. Juntas elas dobram o faturamento do mês e Dona Maria abandona seu emprego fixo.
Buscando aumentar mais a clientela e se profissionalizar, entram para uma comunidade com milhões de pessoas famintas, como por exemplo o Apptite (uma plataforma online que conecta cozinheiros caseiros aos mais de 40 mil usuários) e começa a ver resultados: receita recorrente, lucro, fluxo de caixa, folha de pagamento, fornecedores e, eis que booooooooom, Dona Maria agora é uma empresa.
(só um PS: no Apptite, chefs chegam a faturar até R$ 25 mil por mês cozinhando em suas casas, fazendo seu próprio horário, vivendo do que gostam, com flexibilidade total, segurança, apoio e até uma certa dose de estabilidade)
Mas por que a história da Dona Maria é tão importante?
Em 2014, a psicologa brasileira Flavia Strumpf queria dar comidas menos industrializadas para seu filho e resolveu criar o seu próprio ketchup. O produto era feito na casa dela e vendido em microquantidades apenas em feiras de pequenos produtores em São Paulo.
Em 2017, sua marca já estava presente nos maiores supermercados da cidade, com um aumento de 45% no faturamento e 75% de produção. Seu sucesso foi tão grande que não só roubou mercado da toda poderosa multinacional Heinz, como também fez com que a empresa se movimentasse para criar um novo rótulo apenas com o nome dos ingredientes em letras grandes, em uma tentativa de mostrar algo mais natural no seu industrializado.
E é por isso que a história da Dona Maria é tão incrível! Quem iria imaginar que uma dona de casa poderia roubar fatia de mercado da maior indústria do mundo em seu segmento?
Essa é a tendência que enxergo. Através das novas tecnologias, vamos ver mais e mais exemplos desse novo formato de empresa leve, com baixos custos, poucos ou nenhum funcionário, ágil, sustentável e cheio de ginga pra inovar rápido.
Hiperbólicos que se cuidem, as Donas Marias vêm pegar vocês!
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